“E Jesus, olhando para ele, o amou e lhe disse: Falta-te uma coisa: vai, vende tudo quanto tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, toma a cruz, e segue-me.” (Marcos 10:21)
Este “vende tudo quanto tens e segue-me”, tem sido usado de forma maquiavélico, por muitos movimentos cristãos...tudo começa com a ideia de:“dar tudo para Jesus...”
A ideia se desenvolve da seguinte maneira: como Jesus não está mais entre nós, quando damos na igreja, damos para Jesus. Quando damos ao homem de Deus para ele ir mais longe pregar o Evangelho, damos para Jesus. Quando damos para as missões, damos para Jesus. A ideia de que o Evangelho precisa de ser financiado por todos os cristãos é reforçada todas as semanas nos cultos, ao ponto de que todo o tipo de peditório é para dar a Jesus ou então para que Jesus nos possa abençoar! Pois sem oferta fica difícil Jesus nos abençoar, uma espécie de cancela com ticket que se paga para abrir a passagem da bênção de Deus para o cristão.
O interessante é que nada disso Jesus quis nos ensinar com a história do jovem rico em Marcos 10. Quando ele lhe diz: “vende tudo quanto tens e segue-me”; estamos a esquecer o que ele diz entre a frase: “vende tudo quanto tens, e dá-o aos pobres...”. Jesus não disse: “vende tudo quanto tens, e dá-o no ministério, e dá-o a mim para eu ir mais longe, e dá-o ao Judas que é o meu tesoureiro, e dá-o para que o meu ministério possa adquirir um burro novo para andar mais rápido, pois isto de andar a pé, não trás nenhuma glória para Deus.”
Apesar de Jesus receber apoio e recursos de muitos (Lucas 8), ele não andava a pedir ou a aproveitar-se das pessoas ricas, para delas receber proveitos, para o seu ministério.
Quando lemos em Atos dos Apóstolos, que os irmãos vendiam as suas propriedades e traziam o preço da venda, entregando nas mãos dos apostolos, para que depois esse dinheiro fosse usado para ajudar todas as famílias da comunidade de irmãos em Cristo, isso acontecia, porque havia temor e respeito muito grande pelo cumprimento do Evangelho e do mandamento de Cristo: “amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”. O temor e o respeito era tão forte, que um casal tentou enganar e foram mortos, morreram por mentirem ao Espírito Santo.
Hoje, infelizmente, não é possível viver do modo como os primeiros cristãos viveram, por vários motivos, mas essencialmente porque não existe temor e respeito do mesmo nível que existia naquele tempo. Muito poucas igrejas conseguem incutir esse temor e esse espírito de respeito uns pelos outros, de modo a que não se minta, de modo a que os irmãos possam confiar em seus pastores e vice-versa, sabendo que os recursos são usados devidamente!
Em primeiro lugar, quero afirmar ao caro leitor(a) que o Evangelho não precisa de ser financiado. Qualquer cristão, nascido de novo, não precisa de dinheiro para pregar o Evangelho, Jesus Cristo disse: “de graça recebeste, de graça dai”, não existe nada no novo testamento que fale sobre financiar a pregação do evangelho. Não é preciso dinheiro para que o cristão pregue o evangelho no seu ciclo de amigos, conhecidos ou não, familiares, colegas de trabalho, etc. Se todos os cristãos, verdadeiramente discipulados, obedecêssemos ao:“ide e pregai o Evangelho”, tudo ficaria mais fácil.
Hoje, gasta-se milhões em aquisição de canais de televisão, em alugueres de espaço, em produção de programas, na aquisição de equipamentos, tudo para pregar o Evangelho e pede-se dinheiro para Jesus: “Damos por amor a Jesus”. Será? Será o Evangelho que se prega na maioria das programações e canais de televisão? Muitos dizem: “Se Cristo andasse hoje entre nós, ele iria para a televisão”. Já ouvi até quem dissesse: “Ele iria usar Hollywood, para fazer um filme”.
Quem pensa e fala assim, não conhece a Cristo, nem o Evangelho! Esquecem-se de todas as vezes que Jesus pedia: “Não digas a ninguém...” Jesus nunca precisou de publicidade, ele apenas ia, falava com as pessoas, comia com elas, visitava a casa delas e lhes anunciava o Evangelho, eram as pessoas que faziam a publicidade, inclusive ele dizia coisas estranhas aos seus discípulos em privado: “para que vendo, vejam, e não percebam; e ouvindo, ouçam, e não entendam; para que não se convertam e sejam perdoados”. Estranho não é? Quando o diabo lhe propôs a glória deste mundo, ele não a aceitou, quando os gregos foram em busca de o convidar para ir viver, com os seus discípulos, para a Grécia, ele disse: “É chegada a hora em que o Filho do Homem há de ser glorificado. Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto”. (João 12:23-24)
Os gregos, provavelmente, sabiam que Jesus não era estimado entre os seus, então, eles o buscam, querem falar com ele, pedem a Filipe que o tragam, mas Jesus foi categórico, é hora de cumprir, eu vim para morrer, eu sou o grão de trigo que tem de morrer, para dar vida a muitos.
Hoje, a igreja, continua a não entender o Evangelho e a Cristo.
Quanto ao dinheiro? O que o Evangelho exorta a fazer? Gastar em televisão, em equipamentos de luxo, com o intuito de dizermos: “Isto é para dar glória a Deus”? Financiar os homens de Deus para eles irem mais longe em seus jactos executivos?
Não, Não e Não.
Há uma passagem em I Coríntios 9:14 que diz: “Assim ordenou, também, o Senhor, que os que anunciam o evangelho vivam do evangelho”. Alguém poderá dizer: “Está a ver, afinal temos de financiar o Evangelho.”
O que Paulo está a dizer, tem um contexto, todos podem pregar o Evangelho a toda a criatura, qualquer cristão pode e deve pregar o Evangelho e não precisa de dinheiro para o fazer. Mas nem todos os cristãos são levantados para o ENSINO DO EVANGELHO, para edificar o corpo de Cristo. Uma coisa é pregar ao mundo, lá fora: “Ide e pregai a toda a criatura”; outra coisa é a: “edificação e aperfeiçoamento dos Santos, para a obra do ministério.” Tem a ver com o Ensino dos que já estão salvos. (Efésios 4).
Paulo, tanto pregava o Evangelho a descrentes, mas também a crentes, ele protesta com a igreja de Coríntio (os crentes); porque eles, não estavam a cuidar dele e do Barnabé, seu companheiro de missão. A igreja usufruía do ensino e da edificação do Evangelho que eles lhes ensinavam, inclusive, fizeram-no durante vários anos, mas a igreja não estava a dar o necessário para eles comerem e se hospedarem.
Paulo lembra o que os antigos faziam, cuidavam dos sacerdotes, que recebiam os dízimos do povo, para deles comer, porque administravam as coisas santas ao povo, ele diz: “Não sabeis vós que os que administram o que é sagrado comem do que é do Templo? E que os que de contínuo estão junto ao altar participam do altar?, Assim ordenou, também, o Senhor, que os que anunciam o evangelho vivam do evangelho.” (I Cor.9:13-14)
Paulo, não se refere aos que pregam o Evangelho a descrentes, mas aqueles, que como ele e o Barnabé, se dedicavam, a tempo inteiro, ao ensino e à edificação do Evangelho. Ele dá o exemplo da vinha, da criação de animais, da agricultura, ele questiona a igreja de Coríntio: “Quem planta a vinha e não come do fruto? Ou quem apascenta o gado e não come do leite do gado? Ou quem lavra a terra e não está na expectativa de colher o que lavra?” (I Cor.9:7-11)
Pois assim faziam os antigos sacerdotes que viviam recebendo os dízimos e ofertas para depois as usarem do modo que Deus determinava, que era, não só para o suprimento dos sacerdotes, mas também o suprimento dos pobres, viúvas e órfãos! Na segunda carta à igreja de Coríntio, ele lembra essa parte também, no capitulo 8, onde refere a abundância graça da igreja de Macedónia, que com alegria e prazer deram a favor dos pobres na Judeia. Este é o espírito do Evangelho com respeito a dinheiro. De qualquer maneira, Paulo certa vez, teve de fazer tendas para se sustentar, pois nem sempre as igrejas entendiam este aspecto, não foi por isso que ele parou de anunciar e de ensinar o Evangelho de Jesus Cristo.
Se for preciso fazer tendas que se faça, mas é evidente, que se uma igreja puder ter o seu pastor ou mais, a tempo integral, para que eles cuidem e ensinem o Evangelho para edificação de todos, melhor ainda. Pois requer muito tempo e dedicação! Se uma igreja conseguir obter recursos para que os seus membros e famílias, em casos de necessidade, possam ser sempre socorridos, então, é ouro sobre azul. Esse é o alvo!
Nestes 30 anos de Evangelho, infelizmente, a realidade é outra. Por um lado, temos as igrejas ricas, onde se gastam milhões em equipamentos, prédios, televisão, luxos, viagem de jactos particulares, aquisição de jactos, mas que quando alguém, dessa mesma igreja, necessita de socorro financeiro e de apoio da igreja, mandá-lo: “semear em tempo de fome”. Ridículo não é?
No entanto pede-se dinheiro para o ministério, para ir mais longe...enquanto, várias famílias, não vão tão longe, pelo contrário, estão afundarem-se em dívidas, porque, muitas delas, deram tudo para Jesus, isto é, deram tudo para a igreja e quando precisam da igreja, a igreja esquece-se deles.
Por outro lado, temos as igrejas mais pequenas e pobres financeiramente, o pastor ainda tem de fazer tendas para puder sustentar a sua família...enfim, é um paradoxo incrível. Deus tem culpa disto? Não, nenhuma! Nós é que não sabemos discernir o que é correcto e o que não é!
Memórias de 30 anos de Evangelho – José Fidalgo
03/02/2020